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Foto do escritorAldo Santos

Vila Mussolini em São Bernardo do Campo!

Atualizado: há 5 dias



Diego de Moraes Marion***



RESUMO Após o fim da II Guerra Mundial, muitos nazistas fugiram da Europa temendo serem julgados pelos crimes que haviam cometido contra a humanidade em nome do Terceiro Reich. Dos milhares que conseguiram escapar de eventual destino, muitos escolheram a América do Sul para tentar apagar o passado e começar uma nova vida, longe dos tribunais constituídos pelos vitoriosos. Muitos destes vieram ao Brasil, vindo a residir em São Paulo, alguns tendo escolhido o grande ABC paulista, como foram os casos de Friedrich Schultz-Wenk, Franz Paul Stangl e Josef Mengele, três antigos membros do Partido Nacional-Socialista Alemão e ex-oficiais do regime hitlerista.


Mais do que um estudo sobre suas trajetórias pessoais, suas biografias aparecem aqui como uma referência para que tentemos compreender as causas e motivações que levaram esta região operária entre a Serra do Mar e a capital a ser a morada destes e tantos outros possíveis nazistas. Para tanto, se buscou investigar as condições, o contexto e os atores que tornaram possível a vinda e a permanência de tais criminosos de guerra, cujo empenho esteve a serviço da mais bárbara experiência política de nosso tempo. Palavras-chave: Nazismo. Guerra Fria. Volkswagen. ABC paulista.


INTRODUÇÃO A partir dos anos 60, os nomes de alguns notórios nazistas foragidos começaram a ser noticiados mundo afora. Graças aos esforços conjuntos de governos e indivíduos empenhados na caça destes criminosos de guerra, descobriu-se que muitos se encontravam na América do Sul em países como Argentina, Paraguai, Chile, Bolívia e Brasil.

São Paulo foi aparentemente o estado brasileiro mais procurado por estes homens, que aqui vieram se estabelecer em cidades distintas, incluindo na região do grande ABC paulista, como São Bernardo e Diadema.

Há um conjunto de circunstâncias que devem ser analisadas para entender por quais razões tantos criminosos de guerra buscaram não só o Brasil mas outros países sul-americanos, sendo de fundamental importância para isso a compreensão do momento histórico em questão, que era o cenário global do pós-guerra e a emergência da Guerra Fria.

A derrota do Eixo nazifascista colocou aos países vencedores o dever de estabelecer as novas bases para uma paz duradoura, o que envolvia também estabelecer as punições devidas para aqueles que haviam levado o mundo à maior das guerras que a humanidade já viu. Mas, com a crescente polarização entre soviéticos e estadunidenses, as autoridades ocidentais passaram a demonstrar uma espécie de condescendência com os nazifascistas que haviam combatido, vendo em muitos deles instrumentos funcionais para combater os comunistas, que agora passavam a considerar novamente como a grande ameaça global a ser combatida. Sob este cenário, se processou a fuga de um sem número de nazistas da Europa para viverem suas vidas longe dos tribunais.

Como chegaram até aqui, e o que fez do ABC paulista um destino procurado por alguns destes homens é o que este trabalho busca responder, mas de forma alguma pretendendo conclusões definitivas.

A hipótese levantada é a de que uma série de fatores se comungaram possibilitando a fuga, a vinda e a permanência destes indivíduos na região. Ao já mencionado contexto geopolítico de gestação e nascimento da Guerra Fria, incorporam-se a este o caráter reacionário de grande parte dos setores civis e militares dentro do Estado brasileiro, o histórico do estado de São Paulo como destino de imigração européia, sobretudo alemã, e o desenvolvimento industrial que se processou nas cidades do ABC paulista na segunda metade do século passado, conduzido principalmente pela vinda de empresas multinacionais automobilísticas à região, entre elas a alemã Volkswagen.


OBJETIVOS Uma das razões da escolha deste tema foi chamar a atenção para o momento histórico que nos encontramos. A realização da pesquisa foi feita dentro de uma conjuntura política global bastante conturbada, onde há uma franca ascensão de forças de extrema-direita ocorrendo em meio a escalada de conflitos militares, além do rastro de uma série de tentativas (algumas bem sucedidas) de golpes de Estado no continente nos últimos anos, sobretudo no Brasil.

O perigo de um novo ciclo de experiências fascistas pelo mundo no futuro próximo é algo que não pode ser descartado, e a necessidade de se preparar diante desta eventual ameaça exige de nós a compreensão das circunstâncias e razões históricas que fizeram surgir este fenômeno no passado.

Afirmar isto significa também assumir o compromisso em desvendar episódios controversos da nossa história, entendendo a relação que o país teve com o fascismo antes de após a 2ª Guerra Mundial, bem como as permanências na mentalidade e nos interesses políticos que permanecem e podem ser vistos nos discursos e práticas de muitos setores de nossa sociedade.


METODOLOGIA O material utilizado neste trabalho foi acessado fundamentalmente de forma virtual. Artigos, matérias de jornais, trabalhos acadêmicos e filmes documentários foram as principais fontes de pesquisa, encontrados em sites de instituições acadêmicas, acervos públicos de documentos digitalizados, sites de revistas e jornais virtuais, no Youtube e em plataformas de streaming.


RESULTADOS E DISCUSSÃO Para apresentar devidamente a discussão proposta e os resultados obtidos, se faz necessário traçar alguns acontecimentos cruciais que se desencadearam durante e após a segunda metade da década de 40. Consta que milhares de criminosos de guerra deixaram a Europa diante da iminência de se verem sentados no banco dos réus pelos crimes cometidos enquanto súditos do Terceiro Reich1 .

Uma rede de operações supostamente secretas foi montada para que estes nazistas fugissem do continente por rotas clandestinas, que funcionavam com o auxílio de autoridades políticas, militares e religiosas de diferentes países. Sugestivamente chamadas de trilha dos ratos, elas estavam divididas fundamentalmente em três linhas principais: uma nórdica, que passava por Dinamarca e Suécia; uma ibérica, que se fazia através da Espanha, provavelmente com colaboração direta do ditador fascista Francisco Franco; e uma no Vaticano, operada pela Igreja Católica e auxiliada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

O grande responsável por esta última era o bispo austríaco Alois Hudal, diretor do Colégio Católico Teutônico em Roma e antigo membro honorário do Partido Nacional-Socialista Alemão2 . Consta que por ela teriam fugido algo próximo a 90% de todos 2 Idem. 1 Como eram as rotas de fuga pelas quais muitos nazistas escaparam para a América do Sul após a 2ª Guerra - https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53680937. Acesso em 11/11/2023. os nazistas que saíram da Europa, entravam na Itália pela fronteira com a Áustria e se instalavam na província do Tirol do Sul, região de população majoritariamente germânica e que havia sido incorporada pela Alemanha em 1938 após um tratado entre Mussolini e Hitler, mas reanexada à Itália após o fim da guerra.

Ali os fugitivos eram recebidos por membros do clero local e de lá partiam para Roma, onde recebiam identidades falsas e conseguiam passaportes com a Cruz Vermelha3 . Uma evidência desta operação pode ser averiguada num documento que se tornou público em 2013 por iniciativa de um sujeito chamado Horsth Watcher, e que pertence ao acervo histórico do Castelo de Hagenberg, na Áustria. Trata-se de uma carta assinada em nome de Alfredo Reinhardt, cujo conteúdo contém informações reveladoras sobre este episódio, sobretudo para o leitor brasileiro:


Em conversas com atuais candidatos à Argentina, pude verificar que estes, devido às conhecidas dificuldades, foram até o Brasil para mudar de profissão. –Você deverá fazer o mesmo quando estiver do outro lado, para aumentar suas chances de sucesso. (...) No caso de você não querer ir ao Brasil, e essa oferta vale só para lá, você poderá economizar seu dinheiro tranquilamente e deixar a manivela girando comigo, como venho fazendo há tanto tempo durante essa longa estadia aqui. De toda maneira haverá sempre nuances aparecendo, as quais, quando eu achar relevante, continuarei lhe informando como nesta. 4 Watcher revelou que Alfredo Reinhardt era na verdade o pseudônimo utilizado por seu pai Otto Watcher, ex-sargento da SS - Schutzstaffel, o Esquadrão de Proteção do partido nazista - que na ocasião estava foragido em Roma, e que apenas não conseguiu deixar a Europa porque veio a falecer5 .

Chama a atenção o destaque dado ao Brasil como o único país para onde valia a oferta. Ter em vista o contexto político regional e global da época é essencial caso queiramos entender como e por que tais coisas se processaram. Comecemos pela derrota do Eixo 5 Idem. 4 Em carta, Wächter afirma que nazistas entravam no Brasil sem passaporte - https://operamundi.uol.com.br/politica-e-economia/em-carta-wachter-afirma-que-nazistas-entravam-no-brasil -sem-passaporte/. Acesso em 15/12/2023. 3 Idem. nazifascista, que colocou aos países vencedores o dever de estabelecer as novas bases para uma paz duradoura, o que envolvia também estabelecer as punições devidas para aqueles que haviam levado o mundo a um conflito bélico sem precedentes.

Uma primeira iniciativa neste sentido foi a criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, constituído por Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética, onde foram julgados vinte e dois membros do Alto Comando das Forças Armadas, do partido e do aparato governamental nazista, dos quais doze foram condenados à morte6 .

A realização de novos tribunais conjuntos foi comprometida diante da nova realidade geopolítica do pós-guerra, pois se antes dela a URSS figurava como representante solitária do socialismo real entre os Estados-nações do mundo, agora sua influência se estendia desde a Ásia ao leste europeu, conformando a construção de um novo e amplo campo socialista, o que levou Winston Churchill já em 1946 a declarar em um famoso discurso que uma “cortina de ferro” havia descido sobre a Europa, alertando seus aliados à necessidade de se prepararem para enfrentar o avanço do comunismo.

A aliança formada durante a guerra entre soviéticos e as potências capitalistas ocidentais passaria a se deteriorar rapidamente, nascendo da nova correlação de forças uma configuração marcada pela polarização de dois modelos de sociedade antagônicos, que resultaria na eclosão da Guerra Fria a partir de 47. Dali em diante, os países envolvidos passariam a realizar processos próprios para julgar os criminosos de guerra nazifascistas.

Com o passar dos anos, entretanto, com exceção da Alemanha, os países da zona de influência ocidental gradualmente abandonaram tal tarefa7 – pois sua grande preocupação agora era a “ameaça comunista”. Paralelamente, entre estes se processava cada vez mais abertamente uma tendência em reabilitar a muitos militares, políticos, empresários e funcionários do regime hitleristas. Os exemplos disso são abundantes e precisaríamos de um espaço próprio para serem tratados detalhadamente, mas podemos citar alguns casos, como a Operação Paperclip, organizada pela inteligência dos EUA antes mesmo do fim da guerra, e que recrutou aproximadamente mil e seiscentos técnicos e cientistas do regime nazista para servirem o país sob garantias de trabalho e imunidade judicial. Entre os homens que receberam o beneplácito 7 Julgamentos do pós-guerra - https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/war-crimes-trials. Acesso em 05/10/2024. 6 Tribunal Militar Internacional de Nuremberg - https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/international-military-tribunal-at-nuremberg. Acesso em 09/10/2024. da Casa Branca por trocarem a suástica por Tio Sam, se encontram o famoso engenheiro de mísseis Wernher Von Braun, e o ex-oficial da SS Kurte Debus, ambos tendo ocupado destacadas funções e cargos dentro da NASA e no programa espacial Apollo8 .

Outro exemplo deste movimento é a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN), criada em 49 pelos EUA em conjunto com países da Europa ocidental e vigente até hoje. Cargos de enorme importância foram ocupados por antigos oficiais hitleristas, como é o caso de Hans Speidel, ex-chefe do Estado Maior de Rommel, que foi Comandante das Forças Terrestres da OTAN na Europa nos final da década de 509 , e Adolf Heusinger, outrora tido como um dos mais fiéis generais de Hitler, que chegou a presidir o Comitê Militar Permanente da organização em Washington nos anos 6010 .

Longe de estar limitada aos países capitalistas centrais, tal tendência alcançou também os países periféricos de sua órbita, e a América do Sul, na condição de zona de influência privilegiada dos estadunidenses, certamente não ficaria de fora disto. É necessário, porém, levar em conta que a região possui seu próprio histórico com o nazifascismo desde os anos 30, sobretudo o Brasil, cuja relação com o tema foi bastante controvérsia.

Ao fim da 2ª Guerra Mundial, Getúlio Vargas estava prestes a completar quinze anos ininterruptos no poder, oito dos quais como ditador de fato após a instauração do Estado Novo no golpe de novembro de 37. O regime estadonovista era marcadamente influenciado pelas experiências fascistas europeias, com alguns dos seu quadros sendo seus simpatizantes abertos, como Francisco Campos, Ministro da Justiça e Filinto Muller, chefe de polícia do Distrito Federal, além dos generais Emílio Gaspar Dutra, Ministro da Guerra, e Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército11 .

A despeito disso, o pragmatismo de Vargas se inclinou às pressões internas e externas que fizeram prevalecer a ala dos pró-Aliados, cuja figura de maior destaque era o ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha. Em 1942, o governo brasileiro rompe relações com Alemanha, Itália e Japão, e no ano seguinte envia a Força Expedicionária 11 Brasil relutou até entrar na Guerra ao lado dos Aliados – DW – 06/05/2015. https://www.dw.com/pt-br/brasil-relutou-at%C3%A9-entrar-na-guerra-ao-lado-dos-aliados/a-18426613. Acesso em 14/04/2024. 10 O Semanário – nº 285, 1962 - Biblioteca Nacional. https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=149322&pagfis. Acesso em 05/10/2024. 9 O Semanário – nº 50, 1957 - Biblioteca Nacional. https://memoria.bn.gov.br/docreader/DocReader.aspx?bib=149322&pagfis&pagfis=713. Acesso em 05/10/2024.

8 É certo usar a ciência nazista para salvar vidas? - https://www.bbc.com/portuguese/geral-49122992. Acesso em 29/09/2024. Brasileira para lutar contra as tropas alemãs no norte da Itália, onde Mussolini chefiava um governo títere de Berlim. O contato entre os oficiais estadunidenses e brasileiros na Europa consolidou sólidas relações entre as Forças Armadas de ambas nações. Acabada a guerra, o Brasil vivia o clima de redemocratização, Vargas havia convocado eleições para o fim do ano, e apesar do golpe militar que abreviou seu mandato, elas ocorreram em novembro e o general Dutra é escolhido como presidente da República. Assume o país já direcionando-o para onde queriam as classes dominantes: no plano interno, perseguição ao movimento operário e anticomunismo pronunciado; no externo, seguirá os passos do presidente estadunidense Harry Truman, iniciando um longo período de alinhamento com Washington na política externa brasileira.

Na ocasião, os representantes dos governos Aliados discutiam e negociavam na Europa os termos da nova ordem global a ser estabelecida. Tinham diante de si, porém uma questão de viés humanitário irremediável: milhões de pessoas se encontravam na condição de refugiados de guerra, sobreviventes dos campos de concentração e extermínio construídos pelos nazistas para serem escravizadas e mortas. Esta sinistra operação deslocou homens e mulheres de todas as idades e de várias nacionalidades para fora de seus lares antes mesmo de 1939, em função das políticas de segregação racial e da perseguição política de Hitler. Para lidar com essa questão, foram criados sob a égide da Liga das Nações Unidas o Comitê Intergovernamental de Refugiados (CIR) em 1938, e a Administração das Nações Unidas para Auxílio e Restabelecimento (ANUAR) em 1943 – ambas passando à tutela da ONU após sua criação em 1945. É Lara Novis Lemos Machado quem nos dá um balanço da situação ao término da guerra: Em maio de 1945, havia cerca de 9,5 milhões de PDs (pessoas deslocadas) na Europa. Destes, o primeiro grupo a ser repatriado foram os cidadãos soviéticos, conforme os acordos de Yalta de 1945. Ficaram assim reduzidos, no início de 1946, a cerca de 5,5 milhões de pessoas.

Até novembro de 1946 haviam sido repatriados pouco menos de 5 milhões, principalmente os cidadãos da Europa Ocidental (franceses, belgas, italianos etc.) e os poloneses.

Em meados de dezembro de 1946 restavam apenas, nas zonas ocupadas pelas potências ocidentais na Alemanha, cerca de 700.000 PDs, das Nações Unidas, praticamente não repatriáveis. 12 12 Machado, Lara Novis Lemos. Imigração dirigida ao Brasil no período do pós-segunda guerra mundial: a Missão Neiva (1946-1947). Rio de Janeiro, FGV, 2021, p. 96. Um número expressivo de pessoas não desejava ou não podia voltar aos seus países de origem. As alternativas que lhes restavam era serem integradas como refugiadas aos países em que até então tinham estado na condição de prisioneiras - Alemanha e Áustria – ou serem reassentadas em países terceiros. As divergências entre ocidentais e soviéticos – mais uma vez – quanto ao destino destes refugiados comprometeram também o funcionamento da ANUAR. Em função disto, os EUA decidiram cessar sua participação e passaram a integrar a Organização Internacional dos Refugiados (OIR), sancionada pela ONU em 1947, e que não contava com a participação dos soviéticos e dos estados sob sua influência13 .

As pessoas identificadas como não repatriáveis – todas aquelas que não desejavam voltar a seus países de origem ou cujo pedido de repatriação havia sido negado – despertaram o interesse dos governos latino-americanos, que logo se prontificaram em mandar seus representantes.

Em novembro de 1946, o Brasil envia para a Europa uma comissão para selecionar imigrantes chefiada pelo Dr. Arthur Hehl Neiva, presidente do Comitê de Imigração e Colonização criado por Vargas em 39.. (...) a missão que Artur Hehl Neiva presidiu, na busca por imigrantes que atendessem aos critérios da política brasileira.

Apesar do fortalecimento da retórica humanitária na política internacional, a legislação migratória brasileira continuava amparada por argumentos utilitaristas e preceitos eugênicos.

Nesse sentido, a aceitação de refugiados da guerra devia ser orientada por esses preceitos e, portanto, exigia um esquema bem coordenado de seleção dos indivíduos que mais correspondiam ao perfil racial e moral desejado pelo governo brasileiro. 14 As teorias de supremacia racial possuíam longa tradição na formação intelectual das elites brasileiras, desde os tempos do Império as políticas migratórias haviam sido orientadas num evidente esforço de branqueamento da população, e se é verdade por um lado que a concepção da existência de hierarquia de raças entre seres humanos começava a entrar em declínio após o fim da 2ª GM, por outro as classes dominantes não abdicaram de acreditá-la e exercê-la, ainda que de formas menos pronunciadas.

De qualquer forma, a missão de Neiva 14 Idem, p. 75. 13 Idem, p. 80. possuía critérios bem definidos a respeito das “qualidades” dos imigrantes a serem selecionados: Essas qualidades, dum modo geral, são as seguintes: energia e fortaleza de ânimo, adaptabilidade a circunstâncias novas; rusticidade e resistência física; capacidade de sobrevivência; habilidade manual ou mecânica; grande operosidade e aplicação; hábitos de limpeza, de ordem e de disciplina; moralidade; acentuado sentimento de apego à família; religiosidade fervorosa; coragem perante adversidade; e, fundamentalmente, forte espírito anticomunista. (NEIVA, 1949 p.41) 15 Neiva era, além de um eugenista convicto, alguém cujas posturas estavam naturalmente de acordo com a dos governos que representou.

De todo modo, a atuação de Hehl Neiva conseguiu resultados dentro do que se pretendia. Segundo Ione Oliveira, Nos anos de 1946 e 1947, apesar do empenho da Missão Militar Brasileira em Berlim para trazer alemães para o Brasil, sua empreitada se demonstrou sem sucesso porque oficialmente nenhum cidadão alemão entrou no Brasil nesse período. Em 1947, com o início do transporte de refugiados, sob a tutela da Organização Internacional para os Refugiados, a Missão Militar conseguiu enviar 2.400 refugiados para o Brasil. Entre 1948 e 1949, o Brasil recebeu 4.200 alemães e 13.900 refugiados da Alemanha Ocidental. A imigração dos refugiados para o Brasil só foi possível graças ao financiamento do governo suíço, segundo dados do governo da República Federal da Alemanha.

O maior número de imigrantes alemães, descendentes de alemães e de outras nacionalidades europeias no imediato pós-guerra para o Brasil se concentraram nestes anos de 1948-49. Segundo dados do governo alemão, entre julho de 1947 e dezembro de 1951 cerca de 869.000 refugiados emigraram para países de outros continentes, especialmente para os EUA, a Austrália e o Canadá. A América do Sul recebeu 96.118 refugiados.

Através da mediação da Organização Internacional para os Refugiados, o Brasil recebeu nesse período 28.848 pessoas, sendo a maioria da Polônia, Ucrânia e Iugoslávia. Dentre os cidadãos alemães que vieram para o Brasil no período, a maioria tinha dupla cidadania ou parentes residentes em solo brasileiro. 16 16 OLIVEIRA, Ione. Imigrantes e Refugiados para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. 2013, p 13. 15 Citado por Lara Novis Machado. 2021, p. 90.

A participação do Brasil no programa de reassentamento de refugiados por grupos foi encerrada pelo governo Dutra em 1949, mas o incentivo à vinda de imigrantes europeus continuou. Para um total de 694.487 imigrantes que entraram no Brasil entre 1940 e 1959, foram registrados 23 mil alemães, 36 mil japoneses, 99 mil espanhóis, 106 mil italianos e 287 mil portugueses17 . Ainda que menor que as demais apontadas, a quantidade de alemães que vieram ao Brasil no período recortado é expressiva, e considerando que não era prática revisar a vida pregressa dos imigrantes em geral, podemos tirar disso uma pista para compreender os motivos e a facilidade que tiveram muitos nazistas ao entrarem no Brasil para “recomeçarem” suas vidas longe dos tribunais.

Porque São Paulo? Desde o fim do século XIX, São Paulo despontava como o principal e mais dinâmico motor econômico do país, posição alcançada primeiramente pela expansão das lavouras cafeeiras para o oeste paulista, e posteriormente se tornando o grande polo industrial do país, inicialmente com o crescimento das fábricas têxteis na capital, e posteriormente com a instalação das grandes montadoras multinacionais no cinturão do ABC paulista.

Por essa razão, foi desde então o destino mais procurado tanto pelos estrangeiros que vinham viver no Brasil como dos grandes contingentes humanos que se deslocavam dentro do território, buscando melhor vida longe da miséria, da seca e da violência dos confins do Brasil. Até os anos 50, os estrangeiros que aportavam legalmente no sudeste brasileiro via mar o faziam em geral através do porto de Santos.

Chegando lá, eram então levados até o bairro do Brás na capital, onde seriam alojados temporariamente na Hospedaria dos Imigrantes, destino comum também dos retirantes que chegavam pelas ferrovias e estradas de outras regiões do país, sobretudo os oriundos do norte e do nordeste. Muitos foram os alemães que vieram ao Brasil nos últimos duzentos anos, e seus descendentes formam ainda hoje uma parcela considerável da população brasileira, sendo um dos grupos de maior presença entre os imigrantes que vieram ao país desde o Primeiro Reinado. 17 Machado, Lara. 2021, p. 46.

A chegada dos primeiros imigrantes alemães aconteceu no reinado de Dom Pedro I, em um programa organizado para desenvolver a agricultura e ocupar o Sul do país. Em 1824 foi fundada a primeira colônia alemã, a São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Ao longo de 100 anos, cerca de 250 mil imigrantes entraram no Brasil - número menor que o de italianos e japoneses. Nos anos 30, o fluxo de alemães aumentou em razão do nazismo.

Em São Paulo, os alemães (judeus em sua maioria) se fixaram em bairros como Bom Retiro e Santo Amaro, e se concentraram em atividades comerciais e industriais. 18 O partido de Hitler tinha a ambição de se tornar a legítima representação da raça alemã no mundo, e criou para isso em 1931 o Departamento do Exterior (Auslandsabteilung), renomeando-o três anos depois como Organização do Partido Nazista no Exterior19 , e o Brasil se tornou prioridade desta política internacionalista às avessas.

Ana Maria Dietrich nos dá informações preciosas a esse respeito: Em 1928 (ano de sua fundação), o partido era representado por poucos alemães — em sua maioria no Sul do Brasil e que não tinham vínculo direto com o III Reich.

Na década de 1920, no chamado pós-guerra europeu, chegaram novas levas de imigrantes alemães, atraídos pelo mercado de trabalho brasileiro — tanto industrial como comercial.

A Alemanha vivia uma profunda crise econômica, em parte consequência do Tratado de Versalhes. Desemprego e inflação eram duas variáveis constantes na República de Weimar. Parte destes imigrantes — chamados Reichsdeutsche (alemães de nascimento) — integrou o partido nazista no Brasil, que chegou a 2.903 membros, tendo a maior representatividade de integrantes fora das fronteiras da Alemanha. 20 A autora nos fornece ainda outros números importantes, demonstrando que os três estados com maior presença de população nascida alemã nos anos 30 - São Paulo (33.397), Rio Grande do Sul (15.279) e Santa Catarina (11.291) – eram também onde o partido contava 20 Idem, p. 170. 19 DIETRICH, Ana Maria. Nazismo tropical: o Partido Nazista no Brasil. São Paulo, 2007, p. 143. 18 Alemães. Governo do Estado de São Paulo - https://www.saopaulo.sp.gov.br/conhecasp/nossa-gente/alemaes/#:~:text=Em%201824%20foi%20fundada%2 0a,aumentou%20em%20razão%20do%20nazismo. Acesso em 29/10/2024. com mais filiados - respectivamente 785, 439 e 52821 .

Em números absolutos, São Paulo era, portanto, o estado mais procurado pelos imigrantes teutônicos. Por que o ABC paulista? Os dados trazidos até aqui são insuficientes para concluir se existiu uma relação íntima entre os nazistas paulistas dos anos 30 e os fugitivos hitleristas do pós-guerra. Contudo, nos oferecem pistas importantes para entender como isso se desdobrou. Primeiramente, é necessário reconhecer que o nazifascismo, saído do seio de uma Europa tradicionalmente cristã, antissemita e colonialista, dialogou com parcelas expressivas de uma católica, autoritária e profundamente desigual sociedade brasileira, fortemente conectada com seu passado escravocrata, sobretudo nas regiões sul e sudeste, onde a existência de uma população majoritariamente branca, resultante do estimulo à imigração europeia como recurso de branqueamento do país, atuava para criar uma identificação ideologica com as premissas racistas do movimento.

Outro fator é a questão político-ideológica, e nos parece óbvio que antigos combatentes do Eixo estariam muito mais à vontade e seguros nas mãos ocidentais do que dos comunistas - não se tem notícia de fascistas de qualquer nacionalidade que tenham ido viver na URSS, na Tchecoslováquia ou na Polônia após a guerra... Conhecer e compreender estes aspectos certamente contribui com nossa investigação, pois fornecem elementos fundamentais para entender como se deram historicamente as circunstâncias que levaram ao contexto a ser analisado.

Mas falemos do grande ABC paulista. Até o fim do século XIX, essa região não fora muito mais que um elo entre o litoral e o planalto. Com a construção da Ferrovia Santos-Jundiaí em 1867, começam a surgir núcleos urbanos próximos às estações, que seriam o embrião dos futuros municípios de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Em 1877, núcleos coloniais de imigrantes começam a ser estabelecidos nas localidades de São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Ribeirão Pires22 . 22 São Bernardo e a Formação da Região do Grande ABC - https://www.saobernardo.sp.gov.br/web/cultura/sao-bernardo-e-a-formacao-da-regiao-do-grande-abc. Acesso em 30/10/2024. 21 Idem, p. 158. A área correspondente à cidade de São Bernardo ganhou destaque por sua posição central na ligação entre Santos e São Paulo.

A partir da década de 10, uma significativa industrialização começa a surgir em Santo André com a instalação de fábricas no perímetro da ferrovia. Mas o salto definitivo da região se daria a partir de 1947 com a inauguração da Via Anchieta, que realizou a conexão rodoviária da capital com a baixada santista, em cujas margens viriam se instalar fábricas de empresas multinacionais, como a Ford, Scania, General Motors e Volkswagen, que transformariam o ABC paulista no motor da segunda revolução industrial brasileira.

Não estranhamente, foi neste contexto que os tais nazistas chegaram em São Paulo, alguns deles vindo se assentar no ABC paulista. Um deles foi o ilustre Friedrich Schultz-Wenk. Nascido em 1914, ingressou no Partido Nacional-Socialista Alemão quando tinha por volta de 17 anos de idade; durante a guerra, alcançou o posto de oficial da Marinha alemã. Emigrou para o Brasil em 49, onde viveu o resto da vida como brasileiro naturalizado; por sua amizade com o então presidente da Volkswagen Heinrich Nordoff, Schultz-Wenk se tornaria o primeiro presidente da VW do Brasil, cargo que ocupou até 1969, quando veio a falecer23 .

A Volkswagen do Brasil foi fundada em 1954, funcionando num primeiro momento na capital paulista, chegando a ter uma fábrica no bairro do Ipiranga. Anos depois, adquiriu um terreno em São Bernardo do Campo, no perímetro da Via Anchieta, onde seria fundada em 59 a nova fábrica, que até hoje se encontra funcionando24 .

Os anos 50 foram conturbados no país, duas tentativas de golpe de Estado haviam ocorrido em curto espaço de tempo - a primeira em 54, contra Vargas, frustrada diante de seu icônico martírio; e outra um ano depois, na ocasião da vitória de Juscelino Kubitschek à presidência, quando a oposição udenista liderada por Carlos Lacerda tenta impedir sua posse, mas fracassa frente ao movimento legalista organizado pelo Ministro da Guerra, Marechal Teixeira Lott. Uma terceira tentativa ocorreria ainda na ocasião da renúncia de Jânio Quadros em setembro de 61, quando novamente a UDN e os setores reacionários do Exército buscaram a todo custo impedir a posse de João Goulart, garantida pela Campanha da Legalidade movida pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que prometia levar o Brasil a uma guerra civil caso os conspiradores fossem adiante.

Finalmente, em 1964 a insistência golpista 24 Idem, p. 6-7. 23 KOPPER, Christopher. A VW do Brasil durante a Ditadura Militar brasileira 1964-1985: Uma abordagem histórica. Bielefeld, 2017, p. 13. acabou logrando êxito, com a burguesia brasileira tendo se unido em bloco para derrubar Jango, e a postura do então presidente da VW brasileira seria condizente com a de sua classe. Friedrich Schultz-Wenk não se assustou com o golpe, sua reação foi extremamente positiva, até mesmo eufórica.

Em 16 de abril de 1964, ele escreveu uma longa carta a Nordhoff, não dissimulando a sua crítica sobre a “clara virada para a esquerda do governo de João Goulart”. Schultz-Wenk considerou a detenção de líderes sindicais, bem como dos reais e supostos simpatizantes dos comunistas expressamente bem-vinda.

Com a afirmação “Fiquei surpreso com a sincera alegria, com a qual a queda do governo foi apoiada” ele não só descreveu o clima entre a elite econômica do país, mas também a sua própria felicidade com o golpe.

A valorização cambial do cruzeiro em relação ao imagem negativa que tem da estabilidade política do Brasil, o golpe militar parecia uma consequência natural de uma ordem democrática instável. 25 Os militares logo de início estabeleceram um regime de terror em todo o país, perseguindo, prendendo, torturando e assassinando aqueles que julgassem necessário. Inviabilizadas as possibilidades institucionais, a luta armada surge como proposta de mudança do regime pela via revolucionária; a resposta dos militares é a escalada da repressão, que se consagra com a instauração do AI-5 em dezembro de 68. No ano seguinte, é criada a Operação Bandeirantes (OBAN), iniciativa conjunta das Forças Armadas e da Polícia Militar paulista para sistematizar o terrorismo de Estado contra os opositores da ditadura.

Por sua formatação semi clandestina, não contava com financiamento público: os recursos materiais e a operacionalização logística eram fornecidos pelas empresas cujos donos eram aliados do governo. Os industriais de São Paulo foram os principais mecenas da OBAN, não à toa, muitos encontros aconteciam na sede da própria FIESP26 , e uma das empresas que mais colaboraram não foi outra senão a própria VW, que fornecia desde veículos para transportar os agentes, até a permissão para que interrogatórios e torturas fossem praticados dentro das dependências de sua fábrica27 . 27 KOPPER, Christopher. A VW do Brasil durante a Ditadura Militar brasileira 1964-1985: Uma abordagem histórica. Bielefeld, 2017, p. 13. 26 Comissão Nacional da Verdade do Estado de São Paulo - https://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/downloads/I_Tomo_Parte_1_O-financiamento-da-rep ressao.pdf. Acesso em 04/08/2024. 25 Idem, p.17-18.

Ainda que não possam ser caracterizadas como tal, as ditaduras que foram instaladas no Paraguai, Brasil, Chile e Argentina no período apresentavam aspectos que as aproximam em muitos sentidos das experiências fascistas dos anos 20/30, exemplos disso podem ser observados na sistematização da tortura e de eliminação física de oponentes; o permanente Estado de exceção justificado no combate ao inimigo interno; a instrumentalização de símbolos nacionais e o uso de uma retórica pretensamente nacionalista, ancorada na imagem de um povo nação/povo coesa e harmônica sem conflitos de classe e antagonismos sociais; o apelo exacerbado a uma moral conservadora como essência dos valores nacionais, e claro, o anticomunismo como doutrina oficial.

É digno de nota mencionar também que antigos membros da Ação Integralista Brasileira ocuparam cargos de prestígio no regime militar, podemos citar o jurista Miguel Reale, reitor da USP nos anos 70; o general Olympio Mourão Filho, responsável pela sublevação das tropas de Juiz de Fora que partiram para derrubar João Goulart em 31 de março de 1964; e ainda o próprio Plínio Salgado, fundador e líder máximo dos integralistas, que fez carreira como deputado federal pelo Arena.

Tais indícios servem pelo menos para mostrar como não havia por parte dos setores dirigentes quaisquer problemas com a existência de fascistas dentro do Estado. Em relação a Schultz-Wenk, não consta que tenha tido quaisquer dificuldades em entrar e permanecer no país, mesmo porque jamais chegou a ser alvo de processos criminais pela justiça alemã. Poderia se pensar que isto se deveu a sua excepcional posição social, mesmo porque a maior parte da burguesia que colaborou (e enriqueceu) com o nazismo foi em geral poupada de qualquer responsabilidade pela guerra ou o Holocausto na Europa ocidental. Houve, porém, aqueles que não gozaram de tal benefício, os que sabiam que cedo ou tarde seu futuro seria o cárcere ou a forca e fugiram como ratazanas para fora do continente.

Foi o caso do austríaco Franz Paul Stangl. Nasceu em 1908, na cidade de Altmunster, trabalhava como policial quando os alemães invadiram e anexaram a Áustria em março de 1938. Dois anos depois, já como membro Partido Nacional-Socialista Alemão, foi designado como superintendente do programa de eutanásia nazista no instituto de Hartheim, cuja função era a eliminação de pessoas com deficiências física e mental nas câmaras de gás28 . Por cumprir com eficiência suas funções, foi escolhido para supervisionar a construção e a administrar o campo de extermínio de Sobibor na Polônia, criado quase exclusivamente para 28 ABAL, Filipe Cittolin. Visitantes Indesejados: os pedidos de extradição de Franz Stangl e Gustav Wagner em uma análise histórico jurídica. 2012, p. 48. exterminar judeus.

Em 1942, Stangl foi enviado para comandar o campo de Treblinka, também em território polonês ocupado29 .

Ambos os campos foram desativados e destruídos antes da guerra acabar. O número aproximado de mortos em Sobibor é de 167 mil, pessoas que vão de bebês a adultos e idosos. Em Treblinka, calcula-se entre 870 e 952 mil pessoas foram exterminadas30 . Isso fazia de Stangl portanto um dos maiores responsáveis pela execução do genocídio promovido pelos nazistas. Logo após o fim da guerra, foi preso pelo exército estadunidense pelo simples fato de ser oficial da SS (seu papel na Operação Reinhard, a “solução final” do nazismo para a eliminação dos judeus, ainda haveria de ser descoberta). Investigações revelaram sua participação em Hartheim, e os norte-americanos o transferiram para uma prisão em Lins, onde seria iniciado um julgamento por tal.

Mas Stangl conseguiu fugir da prisão em maio de 48, e ao saber que muitos de seus compatriotas estavam conseguindo fugir da Europa pelo Vaticano, partiu para tomar o trajeto dos ratos: foi ao Tirol do sul na Itália, de lá para Florença e depois Roma. Lá encontrou-se com o bispo Hudal, que lhe conseguiu um visto e uma passagem para a Síria. Partiu para Damasco em setembro do mesmo ano e lá viveu com a família até 51, quando decidiram vir ao Brasil31 . Stangl entrou no país com documentos originais, tendo inclusive registrado a si e a família no consulado austríaco anos mais tarde, vindo a se instalar em São Bernardo do Campo, ao que consta, na rua Raimundo Zirino, na Vila Planalto32 . Em 59, por intermédio de um vizinho de descendência alemã, conseguiu um emprego de mecânico na Volkswagen.

A polícia austríaca emitiu um mandado de busca e apreensão contra o ex-oficial em 196133 ; no início de 67, Simon Wiesenthal, o famoso judeu-austríaco caçador de nazistas encontrou o paradeiro de Stangl, passando a articular junto do Ministério da Justiça da Áustria e de autoridades brasileiras a prisão do ex-oficial, o que ocorreu finalmente em 28 de fevereiro, quando foi preso em frente a sua residência. 33 KOPPER, Christopher. A VW do Brasil durante a Ditadura Militar brasileira 1964-1985: Uma abordagem histórica. Bielefeld, 2017, p.111. 32 Idem, p.74. O endereço de Stangl pode ser consultado no acervo digitalizado do DEOPS no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo - https://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/acervo/textual/deops/fichas/BR_SPAPESP_DEOPSSPOSFTEXSNS 008572.pdf. Acesso em 04/04/2024. 31 ABAL, Filipe Cittolin. Visitantes Indesejados: os pedidos de extradição de Franz Stangl e Gustav Wagner em uma análise histórico jurídica. 2012, p. 67. 30 https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/killing-center-revolts; Acessp em 20/08/2024. 29 Idem, p. 43.

Logo após a prisão, pedidos de extradição foram emitidos pelos governos da Alemanha Ocidental, Polônia e Áustria34 . A justiça brasileira atendeu apenas ao pedido de Berlim, sob a justificativa de que seus crimes foram cometidos enquanto cidadão do Estado Alemão.

Sua sentença foi deferida em dezembro de 1970: julgado culpado pelos crimes em Hartheim, Sobibor e Treblinka e condenado à prisão perpétua. Seis meses depois, sofreu um ataque cardíaco na prisão e morreu35 . Pode-se julgar que Stangl tenha sido negligente quanto a sua identidade e paradeiro, e que se tivesse sido mais cauteloso, talvez tivesse terminado seus dias sem ser incomodado pela lei, como foi o caso do famoso médico alemão e oficial da SS, Josef Mengele. Nascido em 1911 na cidade de Günzburg, aos trinta e quatro anos formou-se em medicina em Munique, em 37 passou a trabalhar no Instituto de Biologia Hereditária e Higiene Racial de Frankfurt. Filiou-se ao Partido Nazista no ano seguinte, e lutou no front oriental atuando como médico da Waffen-SS (o setor militar da SS). Sua ascensão ao alto escalão nazista se dá no seu retorno à Alemanha em 43, quando é designado como um dos médicos-chefes no complexo de campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, o maior que os nazistas construíram. Seu trabalho ali era o de um carrasco, recepcionava os prisioneiros e selecionava aqueles que deveriam ser executados nos fornos e câmaras de gás, o que lhe rendeu o vulgo de Anjo da Morte36 . Ali, Mengele ganharia fama pelas macabras experiências médicas que produziu em cobaias vivas, utilizando desde adultos até recém nascidos em procedimentos extremamente cruéis e grotescos.

Estima-se que cerca de 1,1 milhão de pessoas tenham sido exterminadas em Auschwitz, Birkenau e Monowitz até janeiro de 1945, quando os campos foram libertados pelo Exército Vermelho37 . Com o fim da guerra, Mengele passou a organizar sua vida para deixar a Europa. Em 1949, partiu para América do Sul e iniciou sua intinerante jornada começando pela Argentina, passando pelo Uruguai, onde se casou com a cunhada em 1958, indo logo depois ao Paraguai do ditador Alfredo Stroessner, tendo inclusive adquirido sua segunda cidadania sob o registro de José Mengele38 . Em Assunção, ficou por algum tempo hospedado em um hotel onde o dono, um tal Alban Krug, era grande simpatizante de Hitler e 38 Eldorado: Mengele vivo ou morto? - Direção de Felipe Sampaio. 2019, Diadema. 37 Auschwitz -https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/auschwitz. Acesso em 04/11/2024. 36 Josef Mengele - https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/josef-mengele. Acesso em 05/11/2024. 35 Idem, p.164. 34 ABAL, Filipe Cittolin. Visitantes Indesejados: os pedidos de extradição de Franz Stangl e Gustav Wagner em uma análise histórico jurídica. 2012, p. 89. “deixava seu hotel à disposição para as operações dos nazistas alemães julgados depois da 2ª Guerra Mundial”39 .

Mengele já era naquela altura um dos nazistas mais procurados em todo o mundo. Em 1960, resolve fugir para o Brasil temendo destino semelhante ao que acontecera a Adolf Eichmann - um dos organizadores do Holocausto - sequestrado na Argentina em uma ação cinematográfica por agentes do Mossad (o serviço secreto de Israel), que o levaram à Jerusalém, onde foi julgado e executado.

Um jornal paraguaio inclusive chegou a noticiar que agentes israelenses teriam sido mortos em Assunção tentando capturar o médico, mas isso não se confirmou factualmente. Sua estadia no Brasil foi garantida por um austríaco e ex-combatente de guerra nazista chamado Wolfgang Gerhard, que o colocou em contato com uma família de alemães residentes em Serra Negra no interior paulista, os Stammer.

Lá passou a viver em um sítio da família como administrador da propriedade, sendo conhecido como Pedro Hochbichler, e estabeleceu contato muito próximo com um antigo antigo parceiro de trabalho em Auschwitz, o austríaco Gunther Schouppe40 .

Anos depois, deixa a cidade e parte para Caieiras. Gerhard o apresenta a um casal de austríacos que viviam em São Paulo no bairro do Brooklin, o ex-soldado da Wehrmacht Wolfram Bossert e sua esposa Liselotte Bossert. Rapidamente se tornaram amigos de Mengele, e o arrumaram moradia em um casarão que tinham em Diadema, próximo à Represa Billings no bairro Eldorado, na Estrada dos Alvarengas, nº 577341 . Isso parece ter ocorrido por volta de 1969, e Mengele lá viveu por cerca de dez anos antes de se mudar para Bertioga, no litoral paulista. Caminhava pela praia quando, no dia 7 de fevereiro de 1979, sofreu um súbito derrame que o fez cair no mar e morrer afogado.

O Anjo da Morte foi enterrado no cemitério Nossa Senhora do Rosário, em Embu das Artes, mas em seu atestado de óbito constava o nome de Wolfgang Gerhard. Mengele havia tomado para si a identidade de seu protetor desde que o sujeito falecera anos antes, e assim continuou sendo também depois de morto. A farsa somente foi derrubada em 1985, após boatos da Alemanha de que o carrasco de Auschwitz se encontrava no Brasil. Após pedido do governo alemão para investigar tal 41 Eldorado: Mengele vivo ou morto? - Direção de Filipe Sampaio. 2019, Diadema.. Disponível em Amazon Prime. 40 Idem. 39 Trilha dos Ratos - A Fuga de Nazistas para a América. Direção de Felipe Sampaio. 2020, Diadema. possibilidade, o então superintendente da Polícia Federal Romeu Tuma abriu uma investigação contra os Bossert, que acabou revelando a relação do casal com o suposto Mengele.

Foi pedida autorização judicial para a exumação do corpo suspeito enterrado em Embu, e uma minuciosa perícia foi feita sobre a ossada. No dia 6 de junho daquele ano, foi confirmado que o cadáver de Wolfgang Gerhard era na verdade de Josef Mengele.

O caso se tornou notícia em todo o mundo42 . Os casos Schultz-Wenk, Stangl e Mengele ilustram realidades que caminharam paralelas até os anos derradeiros de suas existências, cada um tendo, porém, um destino distinto. Não consta que Mengele tenha tido qualquer relação com os dois, mesmo porque sua vinda à Diadema foi tardia. Mas estes são casos individuais, cujo valor investigativo reside menos no que têm de particular do que naquilo que podem revelar como tendência. Parece muito sustentável afirmar que havia uma rede de apoio entre os alemães residentes em São Paulo para amparar nazistas fugidos, e que contasse com o auxílio de nazistas “não foragidos”.

Mas e quanto às autoridades brasileiras, seria possível que estes e tantos outros homens estivessem aqui sem a ciência dos setores políticos, de membros do judiciário, das forças de segurança? Como vimos anteriormente, não havia a prática de se investigar o passado dos estrangeiros que aportavam no Brasil, mas se assim o era, pode-se presumir que também não havia o interesse em fazê-lo, não apenas pela lógica da Guerra Fria, mas pelo próprio caráter das classes dominantes do país, e que certamente eram condicionadas pela postura das potências ocidentais, sobretudo dos EUA, que conviviam muito bem, obrigado, com qualquer um que compartilhasse consigo das convicções anticomunistas, fossem ou não fascistas e criminosos de guerra. Seria necessário conhecer a particularidade de cada caso dos milhares de europeus que entraram no Brasil na década de 50 para se ter um dado preciso a esse respeito.

Mas devemos ter em mente que nazismo foi um movimento de massas que envolveu voluntariamente uma parcela extremamente significativa da população alemã, assim como teve seus muitos colaboradores e adeptos nos países ocupados pela Alemanha.

E se o caso de Stangl foi uma exceção nesse sentido, disso apenas pode-se concluir que foi uma exceção, pois como vimos, ele não foi o único que aqui esteve fugindo da justiça europeia, tampouco podemos pensar que não houvessem tantos outros criminosos de guerra que passaram toda a vida sem ser 42 Idem. incomodados pelo seu passado, fosse pela incapacidade, fosse pela falta de vontade das autoridades ocidentais.

Nesse aspecto, o papel da Volkswagen parece ter sido central, já que a empresa abrigava uma comunidade alemã significativa em seu quadro de funcionários. Na diretoria da VW do Brasil até os anos 80, todos os departamentos com exceção do RH e do jurídico eram ocupados por expatriados alemães que, via de regra, não haviam vivido no Brasil antes. Também no nível gerencial abaixo da diretoria, os gerentes alemães expatriados de Wolfsburg eram a maioria. Apesar do percentual dos gerentes alemães e técnicos expatriados nos anos 70 só perfizeram aproximadamente 0,2% (70 de 35.000), um grande número de posições chave eram ocupadas por alemães. Os brasileiros de origem alemã e os imigrantes de língua alemã da primeira geração cumpriam, muitas vezes, como técnicos e mestres na produção ou como funcionários nos cargos mais altos na administração a tarefa de comunicar aos colaboradores brasileiros as ordens da diretoria, devido ao seu domínio das duas línguas e dos conhecimentos do país.

Como a maioria dos diretores eram alemães, o alemão permaneceu língua dominante no nível da gerência até a fusão da VW do Brasil com a Ford, que formou a Autolatina (1987). As reuniões de diretoria eram realizadas em alemão e também a ata era redigida nesse idioma. 43 Esta política “nacionalista” de gestão empresarial pode conter algo de revelador, pois é extrmamente possível que sob o teto da VW muitos nazistas estivessem abrigados, e que assim como seu empregador, não tinham obre si quaisquer processos criminais, e por isso entraram no Brasil pela porta da frente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS O contexto sul-americano daquele período era propício para que estes criminosos de guerra escolhesse o continente para fugirem, em parte pela existência de governantes simpáticos - Perón na Argentina, Stroessner no Paraguai, o próprio Dutra no Brasil -, em parte pela identificação que muitos segmentos sociais médios e das elites econômicas tinham com 43 Idem, p. 12. fascismo, mas sobretudo pela incontestável hegemonia que o imperialismo estadunidense exercia - e ainda exerce, embora com menos potência - no continente.

Com o Brasil não seria diferente, e ainda que possamos dizer que não houvera ajuda ou suporte institucional ou político para tal, é preciso dizer também que não se viu por parte das autoridades quaisquer tentativas de impedi-los. Ademais, contribui para isso o fato de estarmos sempre a ser governados por uma burguesia reacionária, que jamais abriu mão de defender seus privilégios à custa do sangue daqueles cuja exploração era a razão de seu prestígio e riqueza. Tinham portanto todos os motivos para olhar com simpatia muito do que defendiam e faziam os regimes fascistas .

Quanto ao ABC paulista, ou o ABCDMRR, para sermos justos com cada uma das sete cidades que compõem a região, as particularidades que o fizeram se destacar no período integram-se ao quadro geral. A região se industrializou aceleradamente a partir dos anos 50, se tornando naturalmente um local almejado por qualquer migrante que buscasse trabalho e renda no Brasil. Ainda que dos três personagens pela pesquisa, esta regra somente se aplique a Stangl - Mengele vivia com dinheiro da família, e Schultz-Wenk era magnata... - é bastante crível que as possibilidades econômicas oferecidas pela região fossem um fator de peso na escolha destes indivíduos .

Considero, porém, que um outro elemento que contribuiu para isso é a própria formação da sociedade paulista. O mito fundador de São Paulo construiu para si a imagem de uma sociedade de identidade européia, herdeira das bandeiras que exploravam os sertões e guerreavam com os indígenas, e que só alcançou a posição de protagonismo econômico e político graças aos braços dos imigrantes que vinham da Europa para tornar mais branca e moderna aquele estado de raízes caipiras. No ABCDMRR, surgido da antiga Vila de Santo André fundada por João Ramalho, que aparece no mito bandeirante como berço da paulistanidade, o mesmo fenômeno se mostra. A típica xenofobia paulista direcionada contra as populações do norte e nordeste foi sempre marcada por um olhar racista próprio de uma população com senso de superioridade racial, criando um visível contraste de realidade frente a vinda dos milhões de retirantes nordestinos e a dos imigrantes europeus no contexto da industrialização dos anos 40 e 50, e que ainda hoje pode ser observado no perfil dos habitantes dos bairros periféricos e suburbanos com os dos centros das cidades da região. Os conflitos sociais e as contradições da história costumam deixar sua marca na paisagem criando curiosos contrastes. Na avenida Senador Vergueiro em SBC, avista-se a Praça dos Expedicionários, uma homenagem aos heróicos sãobernardenses que foram à Itália combater o nazifascismo. Alguns quilômetros adiante, às margens da avenida Caminhos do Mar, há um bairro todo construído como ode ao fascismo italiano, sugestivamente chamado de Vila Mussolini, com ruas que inclusive possuem nomes de figuras ligadas ao regime. .A este respeito, vale mencionar que um projeto de lei protocolado em 2003 pelo então vereador do PT Aldo Santos propôs modificar o nome do bairro para Vila Olga Benário, mas foi rejeitado pela Câmara44 . E como não fossem o bastante as referências fascistas nos logradouros da cidade, há também uma Rua Schultz-Wenk, localizada no Jd. Andrea Demarchi. Esta cidade que protagonizou a ascensão do novo sindicalismo a partir das greves metalúrgicas de 78 e 79 e que fez nascer a figura de Lula como o maior líder popular da Nova República continua a reproduzir expressões escandalosas de reacionarismo. Exemplo disso é a administração do prefeito Orlando Morando, eleito por dois mandatos consecutivos em 2016 e 2020, marcada por uma série de violações contra a integridade e os direitos da população pobre, negra e periférica. Em 2021, entidades do movimento negro da cidade protocolaram uma denúncia no Ministério Público acusando-o de praticar racismo institucional em sua gestão. Entre os delitos cometidos, estão o fechamento da Fundação Criança e da Casa do Hip-Hop, o cancelamento dos carnavais de rua na cidade, despejos de famílias inteiras de suas residências em bairros da periferia durante a pandemia, o que contrariava decisão do próprio Supremo Tribunal Federal, a tentativa de reintegração de posse da sede do Projeto Meninos e Meninas de Rua de sua sede histórica na rua Jurubatuba, o não cumprimento das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 nas escolas municipais, a criminalização da Batalha da Matrix e de seus organizadores, e a inexistência de programação pertinente ao Dia da Consciência Negra, feriado na cidade desde 2008, quando paralelamente promovia eventos celebrando outras matrizes culturais, como em 2021, quando um festival de cultura germânica foi realizado em pleno paço municipal na data. No ano seguinte, a denúncia foi levada à ONU pelo Fórum Antirracista de São Bernardo45 .

É evidente que a ascensão da extrema-direita não tem no ABCDMRR primazia sobre o fenômeno geral, mas é relevante apontar as particularidades da região e relacioná-las com o 45 Novembro negro: como o caso de São Bernardo do Campo (SP) escancara o racismo no Brasil - https://www.brasildefato.com.br/2023/11/20/novembro-negro-como-o-caso-de-sao-bernardo-do-campo-sp-es cancara-o-racismo-no-brasil. Acesso em 01/05/2024. 44 https://www.camarasbc.sp.gov.br/documento/projeto-de-lei-82-2002-4153/termo:vila%20mussolini. Acesso em 05/11/2024. tema central.

Ademais, toda esta pesquisa foi realizada em um contexto que deve ser mencionado. Quando o tema foi concebido, o mundo passava por uma terrível pandemia e o Brasil era governado por Jair Bolsonaro, o período em questão foi marcado por uma série de discursos obscurantistas promovidos pelo então presidente e seus seguidores, que relativizavam e em alguns casos até negavam a existência do problema, movendo insistente campanha contra vacinação obrigatória, contra o isolamento social e em defesa do uso indiscriminado de cloroquina, entre outros procedimentos pseudo-científicos sem qualquer comprovação médica.

As consequências disso foram gravíssimas para o país, que em julho de 2022 registrava a marca de 674 mil óbitos decorrentes da Covid-19, um dos números mais altos de vítimas da pandemia em todo o mundo. Paralelo a isso, Bolsonaro buscou durante todo seu mandato deslegitimar as instituições políticas brasileiras, empreendendo uma campanha cínica contra a legitimidade das urnas eletrônicas e promovendo atos de rua que cultuavam a sua imagem e pediam intervenção militar para chancelando suas pretensões golpistas, que por sinal foram às vias de fato no dia 8 de janeiro de 2023, quando uma tropa de bolsonaristas invade a Esplanada na tentativa de promover um golpe de Estado contra o recém eleito presidente Luis Inácio Lula da Silva. São muitos os elementos que nos permitem caracterizar o bolsonarismo como uma expressão moderna de fascismo brasileiro.

O culto delirante à sua personalidade, o uso exacerbado dos símbolos nacionais sobre uma retórica patriótica, o discurso fundamentalista religioso, o apelo incessante ao militarismo e seu pronunciado anticomunismo são alguns dos muitos elementos que nos permitem identificar neste movimento pretensões e conteúdofascistas - poderíamos citar ainda as motociatas do ex-presidente inspiradas em Benito Mussolini, seus os jargões Deus, Patria e Familia roubado dos camisas-verde de Plínio Salgado, e Brasil acima de tudo, uma adptação óbvia de Deutschland uber alles (Alemanha acima de tudo) tão usado por Adolf Hitler.

E como não lembrar da caricata cena protagonizada por Roberto Alvim, seu secretário de cultura, que reproduziu fidedignamente em um vídeo oficial o famoso discurso de Joseph Goebbels, ministro da cultura da Alemanha Nazista?46 Pouco mais de cem anos após o surgimento do nazifascismo, o mundo se encontra hoje sob a ameaça de reviver os males desta nefasta experiência humana.

A vitória de Trump, nos EUA, de Milei na Argentina, a consolidação de forças neofascistas na França, na 46 'Na Alemanha ele estaria preso': Vídeo de Alvim inspirado em Goebbels configura apologia ao nazismo, diz presidente da OAB - BBC News Brasil. Acesso em 02/09/2024. Alemanha e no Brasil, o belicismo expasionista israelense promovido por Netanyahu no Líbano e em Gaza, onde vemos um verdadeiro genocídio a céu aberto, são estes alguns dos exemplos que nos alertam sobre a possibilidade de viver um futuro de sangue e intolerancia. O conhecimento sobre o passado é sempre uma arma indispensável para se agir no presente, e foi com esse intuito que este trabalho foi produzido. Que ele possa servir de algo.


REFERÊNCIAS Artigos acadêmicos: ABAL, Felipe Cittolin. Visitantes indesejados: os pedidos de extradição de Franz Stangl e Gustav Wagner em uma análise histórico jurídica. Universidade de Passo Fundo, 2012. Passo Fundo/RS. Disponível em http://tede.upf.br/jspui/handle/tede/152. DIETRICH, Ana Maria. Nazismo tropical? O partido Nazista no Brasil. Universidade de São Paulo. 2007, São Paulo/SP. Disponível em https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/USP_1b48a33cc21d6d9ba3823ef9ce99814e. KOPPER, Christopher. A VW do Brasil durante a Ditadura Militar brasileira 1964-1985: Uma abordagem histórica. Universidade de Bielefeld. 2017, Bielefeld/Alemanha. Disponível em https://www.academia.edu/43775262/Christopher_Kopper_A_VW_do_Brasil_durante_a_Dit adura_Militar_brasileira_1964_1985_Uma_abordagem_hist%C3%B3rica. MACHADO, Lara Novis Lemos. Imigração dirigida ao Brasil no período do pós-segunda guerra mundial: a Missão Neiva (1946-1947). Fundação Getúlio Vargas. 2021, São Paulo/SP. Disponível em https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30966. OLIVEIRA, Ione. Imigrantes e Refugiados para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial. XVII Simpósio Nacional de História. 2013, Natal/RN. Disponível em SNH2011 - XXVI Simpósio Nacional de História (anpuh.org). Documentários: Eldorado - Mengele Vivo ou Morto? Direção de Marcelo Felipe Sampaio. 2019, Diadema. Disponível em Amazon Prime. Trilha dos Ratos - A Fuga de Nazistas para a América. Direção de Marcelo Felipe Sampaio. 2021, Diadema. Disponível em Amazon Prime. Endereços eletrônicos: BBC News Brasil - https://www.bbc.com/portuguese Brasil de Fato - https://www.brasildefato.com.br/. Biblioteca Nacional - Hemeroteca Digital Brasileira - https://memoria.bn.gov.br/. Câmara Municipal de São Bernardo do Campo - https://www.camarasbc.sp.gov.br/ Comissão da Verdade do Estado de São Paulo - https://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/. Deutsch Welle Brasil - https://www.dw.com/pt-br/not%C3%ADcias/s-7111. Opera Mundi - https://operamundi.uol.com.br. Prefeitura de São Bernardo do Campo - https://www.saobernardo.sp.gov.br. United States Holocaust Memorial Museum - https://www.ushmm.org/




MILAN, Diego de Moraes Marion. Graduação em Bacharelado e Licenciatura em História. Centro Universitário Fundação Santo André, administracao@fsa.br.

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