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Foto do escritorAldo Santos

VILA LULALDO: O CORAÇÃO TRANSBORDA EMOÇÃO E OS OLHOS SE ENCHEM D’ÁGUA

Atualizado: 8 de dez.


Neuza Aparecida Peres***


Contar uma história não é uma tarefa fácil. Não, se o que se pretende relatar é a partir da narrativa de quem a vivenciou, é preciso ter uma sensibilidade tamanha que consiga transmitir não somente fatos, mas também as emoções das lembranças e memórias que voltam à mente do seu protagonista.

É preciso que o/a escritor/a deixe aflorar seus próprios sentimentos, para com eles transcrever os sentimentos dos/as narrado/as. É preciso também ter uma identificação com os fatos a serem descritos.

Contar um pouco do que aconteceu há 35 anos com os moradores da Vila Jurubeba, com um grau de emoção que faça transportar o leitor/a àqueles tempos, projetando na mente as imagens sofridas mas, porém, hoje podemos dizer, belíssimas e vitoriosas, de bravos/as guerreiros/as, esta é a tarefa que me encarrego neste momento.

 

Precisamente, 20 anos atrás, eu estava em casa quando recebi um telefonema do companheiro Taná (assessor político do nosso gabinete) dizendo que a ‘festa’ seria à noite e que eu estava convocado. Compareci no horário combinado, juntamente com outros assessores do gabinete. Acompanhei passo-a-passo toda a movimentação, como a medida dos terrenos (feita com um barbante), a definição das ruas e o operativo para a transferência de parte moradores da Vila Jurubeba para o terreno que ficava ao lado do Jardim Jussara. Iniciada a ocupação, por volta da meia noite erguemos o primeiro barraco (da Emília) que passou a ser uma espécie de Central da ocupação. A Emília estava doente e frágil, mas não faltava valentia, coragem e determinação, pois todos estavam convictos de que era preferível lutar até as últimas consequências, do que morrer soterrados nos morros da Vila Jurubeba”. Prof Aldo Santos, em 03/12/09.

 

No dia 03 de dezembro de 1.989, 215 famílias, cansados da penúria de quem mora nas periferias das grandes cidades, abandonados pelo poder público e sofrendo com constantes efeitos climáticos ocasionados por chuvas, ventanias e tempestades, correndo riscos de soterramento, esse grupo de moradores com as lideranças dos movimentos organizados e parlamentares, decidiram enfrentar a saga de ocupar um lugar mais seguro e menos vulnerável às intempéries, na empreitada de erguer suas próprias moradias, uma vez que o que é dever do Estado, estava e ainda hoje está, muito longe de ser cumprido. Diante da morte iminente, não restava outra alternativa, ocupar uma área abandonada. E, num grande mutirão, rapidamente organizaram-se para dividir as tarefas e levantar os barracos.

 

“...um grupo fazia a transferência dos barracos, outros mediam os terrenos, outros buscavam alimentação e outros buscavam apoio político para resistir na área ocupada... Para passar a noite, ela (Emília) fazia um café forte, e, de vez em quando tomávamos uma talagada de cachaça para animar e suportar as dificuldades e o cansaço que por vezes tomava conta das pessoas.” 

 


Nasce, assim a Vila que mais tarde receberia o nome honroso de dois grandes lutadores e defensores da causa dos oprimidos: Vila Lula/Aldo, Vila Lulaldo. O primeiro, hoje, Presidente da República, a partir das lutas operárias que permitiu que ele chegasse ao poder; o segundo, vereador a época em sbcampo, nunca abandonou a luta em favor dos desamparados e esquecidos pelo poder público, Prof Aldo Santos. Lembremos da condenação com a perda dos direitos políticos por 8 anos e a multa estipulada pela sentença do STF, “pena perpétua”, hoje, em mais de um milhão de reais, por ter apoiado a Ocupação Santo Dias ocorrida em 2003, quando solidarizando-se ao Movimento dos Sem Teto, novamente disponibilizou seu mandado no socorro de enfermos, crianças, idosos e mulheres principalmente, que assim como os moradores da Vila Jurubeba, próximo ao quilometro 27 da Rodovia Anchieta, Riacho Grande, decidiram correr atrás do sonho que tem todo trabalhador: um teto onde possa abrigar-se com à sua família.  

 

“Existia uma sensação de felicidade e medo entre os ocupantes. Felicidade porque estavam saindo de uma área (Vila Jurubeba) que estava prestes a desmoronar. O medo era sobre o que poderia acontecer com a repressão policial, com a reação da Administração do Prefeito Mauricio Soares e a voracidade especulativa do proprietário da área, Sergio Canastreli.”


O medo justificou-se, a vitória não veio sem muita luta, o aparato midiático deu conta de dividir a sociedade, colocando o mandato do vereador Aldo Santos em risco, que além da defesa dos acampados teve também que garantir a continuidade de seu mandato, legitimamente conquistado pelo voto popular. Na bancada de vereadores do PT, partido do qual fazia parte, chegou a receber votos condenando sua atitude e a favor do seu afastamento. Aldo não teve dúvidas de que deveria permanecer ao lado dos oprimidos.

 

“Lembro-me dos frequentes discursos conclamando os moradores a resistir, pois a história dos trabalhadores deveria ser escrita pelos próprios trabalhadores e que a nossa atuação, também, era a história viva que estávamos escrevendo.”

 

A mesma sorte não teve o companheiro Chicão, na época subprefeito do distrito de Riacho Grande, que ao decidir pelo apoio irrestrito ao movimento, foi demitido pelo prefeito da época, Maurício Soares. Anos atrás, por ocasião do vigésimo aniversário da existência da Vila Lulaldo,  houve uma tentativa de leiloar o terreno, sem sucesso, graças à resistência destes/as bravos/as lutadores/as que não cederam ao voraz ataque da especulação imobiliária, e fizeram valer a história já escrita pelas mãos de valentes e corajosos sonhadores.


Hoje, 35 anos depois, a Vila Lulaldo existe, resiste e continua construindo histórias, muita coisa ainda precisa ser feita, como a regularização fundiária, carece de saneamento básico, de unidades de atendimento à saúde, mais escolas, espaços de cultura, lazer e entretenimento. Mas, o legado da resistência está presente em cada casa, e há que ser lembrado nesta e em todas as futuras gerações. Alguns companheiros já não estão mais presentes para, como Griots, contar esta história. Vida longa e muita saúde aos que permanecem entre nós, diretores/as históricos que enfrentaram, resistiram e continuam na luta, a exemplo dos e das companheiros/as José Arimatéia, Ivo Macedo, Marizinha e tantos outros e outras que não abandonaram a luta e o sonho de construção de um mundo novo, justo, igualitário e socialista!


Neuza Aparecida Peres - Militante da Apeoesp, Presidenta da Associação de Professores/as de Filosofia, Filósofos/as do Brasil - APROFFIB

 

 

 

   

 

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