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Um livro impactante!



Aldo dos Santos***



Uma leitura com explícitos conteúdos de antropologia, de contos, de histórias de um tempo delineado pelo autor, com aspectos da arte e do folclore regional, esmiuçando valores moral e costumes, espalhado para além do referido território, na memória de muitos migrantes e do próprio autor que aos 14 anos é lançado  ao mundo do sofrimento em busca de novos rumos no Estado de São Paulo e no Paraná, e sem perspectiva,  retorna ao seu Estado natal, alimentando  ainda  os sonhos imaginários e buscando explicações sobre o mundo da alienação, das injustiças, do conformismo e das tradicionais teologias das ruas.

Registra seus sonhos com ideias novas circulantes, distintas das ideias que povoavam sua mente desde o nascimento.

Destaca, merecidamente, a figura do “poeta-filósofo Germano, sempre disposto a conversas duradouras, expondo suas ideias sobre variados assuntos, falando das lutas atuais da classe trabalhadora e de suas batalhas de séculos. Germano se fazia cada vez mais entendido, convincente; ouvido atenciosamente até pelos xingadores do comunismo.”(Página 105)

“Ao terminar aquela abordagem, saindo da Praça, caminhando para o meu sono, fazendo–me perguntas  que nunca fazia, pela primeira vez vi-me cheio de sentimentos e de braços dados com a  razão.”

A filosofia é capaz de provocar espanto e compromisso de vida diante de novas leituras de mundo com argumentos reveladores e revolucionários.

No galpão, onde fora preso com inúmeros outros ativistas, existiam “pessoas de distintas religiões e filosofias, mas, no fundamental, de mesmo objetivo. Uns a se dizerem espíritas socialistas, afirmando que o espírito humano na sua evolução, marcha para o socialismo. Evangélicos e católicos a afirmarem que Cristo foi o primeiro socialista do mundo, citando trechos do novo testamento; evitando Abrão, Isaac, Jacó e outros patriarcas do velho testamento, donos de escravos. Os ateus, marxistas ou não, justiça seja feita, sem sectarismo junto aos religiosos, respeitosamente, ouvindo-os. Com exceção de um jovem estudante, Bruno, um tanto arreliento, a dizer que Noé e sua família foram os primeiros privilegiados de Deus, únicos humanos merecedores da vida durante o dilúvio de fim de mundo; severamente repreendido por Joel, um velho comunista, argumentando que a revolução Russa foi feita por um povo majoritariamente religioso.”(Página 115)

Toma contato com a filosofia política que será descrita nas experiências variadas de sua vivência, quer nas atividades partidárias, nos movimentos populares, sindicais, na música e na dança e como educador, dando relevo a descrição detalhada e ardilosa de sua atuação como vereador na Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

Como vereador atuante, destaca nominalmente a atuação e o perfil do ex-vereador Wagner Lino e do Professor Aldo dos Santos, ademais, escancara as denúncias existentes no espaço de poder desta cidade,  citando  vários personagens da política local e as suas trapaças  da politicagem cotidiana.

Em relação ao Wagner, ele o define como “um comunista petista, dizendo ser o PT seu partido tático. Eu, não, afirmando ser tática minha a relação com o petismo.”(Página 129)

Em relação ao vereador Aldo dos Santos afirma: “A bancada de vereadores do PT de São Bernardo do Campo era a maior das suas eleitas em 82; talvez por isso, tendo merecido uma atenção especial de LULA, inclusive com reuniões em sua própria residência para tratar de questões locais e nacionais.

Em 1988, a bancada petista se amplia, agora com uma novidade. Mais um dos membros, Aldo dos Santos, a pregar a luta pelo socialismo e defendendo o marxismo, após longa conexão prática e teórica com a teologia da libertação. Um guerreiro das lutas populares, sem qualquer intransigência, em nome de unidades táticas. ‘A luta do povo acima de tudo, sem tréguas’ – dizia ao seu jeito.” (Página 130)

Em relação a acidez que faz sobre o  poder legislativo da cidade, o autor cria várias  personagens para  denunciar  a corrupção, compra de voto, negociatas e compras superfaturadas, dentre outras mazelas. Registra relatos de Leitão e ainda afirma que “o vereador 51, chamado assim por sempre comparecer às secções alcoolizado, para votar no tal candidato, mesmo sendo este do seu bloco político, exigiu 50 mil reais”.(Página 131)

Declara ainda que o 51 vira Zé do poço. Denunciou relatórios falsos onde vereadores colocavam seu nome para viagens internacional sem saber sequer onde seria o tal evento. Foram aprovados para um congresso na Espanha  e chegou-se a comentar  que um deles foi parar na Itália para rever velhos parentes e amigos e  ao retornar forjavam relatórios  de  participação no referido evento como se houvesse participado do  mesmo.

Destaca também o papel de Carequinha, de Filomeno, vereadores Anselmo e Duarte, do Marlon, do Gaudêncio, Ramom, Celsão e Otávio.

Denuncia o escândalo do frango, afirmando que Celso comprava frango de dois reais o quilo para lanche nas escolas municipais  por 16 reais.

Ou seja, diante desta realidade, ele finaliza relembrando a eleição de um rinoceronte, apelidada de cacareco, na década de 50, eleita vereadora em São Paulo com  mais de 100 mil votos. Uma pequena amostra de como a classe dominante se elege e dominam o poder em seus vários níveis de representação. Os detalhes de cada um destes personagens  se encontra no referido livro.

Neste tópico sobre a Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, você vai  se deparar com o Perfil dos ditos representantes do povo como exímios profissionais da  compra de votos e da corrupção escancarada. Cuidadosamente, sempre com pseudônimos dos referidos personagens que existiam naquele tempo e, certamente não deve existir mais. Será?

O autor inicia com este livro um necessário balanço sobre a política local, que certamente não é privilégio apenas desta cidade. Na verdade, a história da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo mereceria um livro a parte, para esclarecer práticas muitas vezes incompatíveis com o que se espera de uma  representação politica através do processo eleitoral e da vontade popular.

Como militante político, se aproxima de Luís Carlos Prestes que afirmara, “apesar de ser seu dirigente máximo, Prestes, ao ver que o PCB, por decisões da maioria de sua direção, se desviava do comunismo aburguesando-se política e ideologicamente cada vez mais, desliga-se dele, publicando uma carta em que apresenta, palavra por palavra, as razões de sua  sua decisão.”(Página 150).

Indagado sobre a possibilidade da possível criação de um novo partido comunista, revolucionário, Prestes respondia: “Com quem? Não há quadros revolucionários no Brasil  para este fim.”(Página 150)

Em suas andanças políticas, esteve diretamente na Tchecoslováquia, Polônia, Alemanha Oriental e URSS. Esteve ainda em Cuba por mais de uma vez, e na Venezuela. Além da participação da Luta “O Petróleo é nosso”, faz importantes considerações sobre os governos Lula, Dilma, destacando o golpe em 2016 e a prisão de Lula com o golpe dentro do golpe.

No seu retorno a Camisão que virou Ipirá, destaca os aspectos sociológicos da matança consentida por organizações paralelas ao Estado, “Realidade não exclusiva da velha terra Paiaiá, mas de praticamente todo Brasil, com o capitalismo matando para se ver livre dos que pouco ou nada tem, tendo aplausos inclusive de setores explorados da sociedade, alheios à causa dos seus problemas, de seus  dramas.”(Página 202)

No tópico sobre a Igreja Protestante, vai afirmar que “O protestantismo é cria do capitalismo, já no seu nascedouro. Surgiu de quem preferia a sociedade do capital, dos endinheirados, à feudal livre do catecismo papal”(202) e, ainda segundo “Calvino com suas pregações na Europa, é um dos mais destacados líderes do ideário protestante, do evangelismo. Afirmava oralmente e por escrito que todo ser humano é predestinado por Deus para ser o que é, ser pobre, ou ser rico. Em claras palavras, dizendo não adiantar inconformismo de quem é explorado pelos donos do capital. Realmente, concluindo que a insatisfação com o destino traçado por Deus é pecado, desobediência  a Ele.”(Página 203)

As mudanças que ocorreram em Camisão que se transformou em Ipirá, contou com a figura destacada do Padre Ricardo, nos anos 80, juntamente com outros setores sindicais e populares permeados por concepções de  esquerda.

Finalmente, ao retornar à caatinga, vai descrever  que:

“Realmente, a caatinga não é mais aquela de onde vim, toda cheia de mistérios, me impelindo a ter medo de outros mundos.

Não está mais vestida de seus entes verdes ou secos de flores e galhos provisórios; de seus cantantes pássaros e ruidantes de berros.

Hoje, é de outro corpo, quase morto, existente apenas para seus poucos donos e seus venenos biocidas.

Dela, a morte do que nasceu com ela; dela o desaparecimento de milhares de seus racionais a venderem seu sangue e suor em outras terras.

Nela os reflexos de um Camisão que virou Ipirá, capitalista, de nova escravidão. ”(Página 223)

Destaquei alguns fragmentos de centenas de outros contidos nesta obra.

Você não pode deixar de ler esta importante contribuição antropológica, histórica, filosófica e sociológica onde mudaram os personagens, mas a exploração, a exclusão e a escravidão reciclada  continuam em milhares de Ipirás pelo mundo a fora.


Aldo dos Santos – Professor de Filosofia, Militante Sindical, Filiado ao Psol e Escritor.




SOUZA, Alberto, “Memórias  da Caatinga para o mundo” Alberto Souza, Rio de janeiro: Núcleo Piratininga  de Comunicação NPC, 2024 –I SBN 978-85-93117-18-3

1.Caatinga 2. Histórias de vida3. Homens-Autobiografia 4. Memórias autobiográficas I.

 

 

 

 

 

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