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Sobre a martírica militância de esquerda no Brasil atual O caso de Camila Alves e Aldo Santos

Foto do escritor: Aldo SantosAldo Santos

Prof. Hugo Allan Matos***




Desde os 14 anos (1994), quando iniciei minha vida pública trabalhando e atuando em pastorais sociais e movimentos social-populares, aprendi na Igreja Católica Apostólica Romana, que dar a vida pelo outro é o que significa, dá sentido a nossa própria vida.

Contudo, como bem sabemos dentro da mesma igreja e mais ainda na sociedade, esta concepção não serve para a maioria das pessoas. A cultura ocidental desde a Grécia Antiga, passando por Roma e pela Cristandade Medieval, até “desaguar” na modernidade consolidou uma concepção de que nós seres humanos somos indivíduos e para sermos bem sucedidos, devemos nos realizar como tal, acumulando bens, riqueza e poder, sem nos importar com as outras pessoas, usufruindo de nossa liberdade individual e tomando cuidado em um mundo onde “o homem é o lobo do homem” como disse Hobbes, um dos principais filósofos do liberalismo, ideologia que fundamenta o modo de Estado moderno, de Sociedade liberal e da economia capitalista.

Para que chegássemos a estes termos, a esta forma de concepção de sociedade e de ser humano individualista, houve um processo milenar de embates teóricos, sendo um dos principais, na cristandade medieval, a ocidentalização do cristianismo primitivo, na tentativa de superar as ideias advindas da cultura semita (que gerou o judaísmo, o cristianismo e o islamismo), especialmente as ideias de solidariedade, de amor, a concepção de que o ser humano para ser humano, necessita doar-se (habodah – servir) aos que mais precisam.

Mas estes ideais ainda persistem! Seja nos Direitos Humanos, em algumas constituições e principalmente nas ideologias (conjunto de ideias) socialistas, comunistas, bolivarianas etc. A noção de uma humanidade mais justa e igualitária, ainda nos perpassam, a todos. Mas algumas pessoas, além de compreender isso, acolhem como valores seus, contrariando os valores individualistas da modernidade e colocam-se em luta contra as injustiças, por uma sociedade mais justa, igualitária, pela construção de novos mundos nos quais acreditam.

E este é o caso de Camila e Aldo. Conheci o Aldo justamente na Ocupação Santo Dias (2003), que ocorreu com cerca de 3000 famílias em um terreno abandonado e cheio de dívidas públicas da Volkswagen aqui em São Bernardo do Campo. Eu com apenas 23 anos, atuando junto a alguns colegas militantes das pastorais sociais, como a pastoral da juventude, tentávamos auxiliar às famílias, arrecadando alimentos nos açougues e comércios da região, conversávamos com as famílias para conhece-las, tentar sanar necessidades imediatas etc. Aldo, então vereador pelo PT, auxiliava na logística junto a Guilherme Boulos (em sua primeira ocupação) e outros companheiros.

Para mim e muitos jovens, foi uma experiência incrível de doação a quem mais precisa, mas especialmente de aprendizado com aquelas diversas famílias e pessoas solidárias. Esta experiência me recordou do cortiço, depois da favela e das dezenas de casas alugadas em que morei com meus pais, mas ainda assim, nunca nos faltou e sempre foram dignas. Pude entender ali o que é viver sem um teto seguro e digno e também compreendi o poder da solidariedade que possibilitou aquele grande movimento que depois garantiu um teto para centenas de famílias.

Quando houve a desocupação do Terreno da Volks, fomos para a praça da Matriz, histórico lugar de lutas da cidade, no qual meu pai participou de diversos comícios na década de 1981, pela democratização do país e direitos para os trabalhos metalúrgicos da região. E nesta mesma praça está a Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, que servia na década de 1980 de abrigo e proteção aos trabalhadores e trabalhadoras contra a violência policial do Estado. Meus pais, católicos, me criaram nesta igreja, onde dos 14 aos 23 anos tive experiências incríveis de comunidade, de formação humana etc. Mas neste momento, ao receber milhares de pessoas necessitadas em sua porta, a Igreja se fechou e não acolheu. Uma igreja gerenciada por uma congregação que tem como carisma a ajuda aos migrantes, fechou suas portas aos sem-teto, que ficaram à praça sem dignidade alguma, na chuva e frio arrasadores. Cheguei a época trocar artigos no Diário do Grande ABC, com o padre de então, sobre isso.

Enfim, o que tudo isso tem de relação com o título deste texto? E por que falei desta minha experiência?

Aldo Santos, foi e é para mim um exemplo de pessoa, de militante, pois sua doação à vida política da cidade é exímia, exemplar. Aldo enfrentou muitas adversidades em sua vida, pro causa da opção de militância que faz. Sua doação à política em geral, ainda hoje é fundamental. Ele deveria estar entre os grandes quadros da política nacional, ser reconhecido por todos os partidos de esquerda e ter principalmente certa segurança política e econômica para fazer o que faz. Mas não é isso que ocorre.

Aldo e Camila estão sendo perseguidos exaustivamente pelo poder local que sabe do potencial deles e que visam sufocar econômica e politicamente, impedindo-o de concorrer eleições e agora, bloqueando seus poucos bens materiais e contas, colocando em risco inclusive sua sobrevivência.

E é neste momento que me questiono: onde estão o PT, PSOL, os grandes militantes como Boulos, Lula etc. que Aldo ajudou a elevar politicamente, doando sua vida? Aldo não devia, em circunstância alguma, passar por isso. Não só pelo merecimento, não se trata de mérito apenas. Mas de injustiça. E em um país que se diz democrático e temos um presidente que se diz de esquerda, por um partido que Aldo ajudou a fundar e no caso em que está sendo condenado por utilizar o carro público de sua vereança (pelo PT) para ajudar aos mais necessitados, eu me pergunto: onde estão?

Aldo faz sua opção diariamente, de um martírio doando sua vida às causas que acredita. Sua recompensa? A perseguição política e o abandono daqueles que ajudou a colocar no poder.



Hugo Allan Matos - filósofo, professor universitário, educação popular, judoca. marido, pai, sobrevivente. hugo.allan@gmail.com

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