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Foto do escritorAldo Santos

A FILOSOFIA PEDE PASSAGEM


 Baltazar Macaíba de Sousa e

Gleidimar Alves de Oliveira ***




APRESENTAÇÃO ABRAM ALAS! A FILOSOFIA PEDE PASSAGEM Outrora, tão distinta e imponente, “mãe de todas as ciências”, hoje, em tempos da antirrazão/anticiência conservadora e moralista, apenas “dama da vida”, relegada aos guetos da “transversalidade”, a Filosofia foi expropriada daquele que é seu lugar por excelência – a escola, a educação, a academia. O leitor pode estar se questionando sobre as palavras excessivamente trágicas, mas em que transformaram a Filosofia e o seu ensino? Para não deixar dúvidas, o que a atual Reforma do Ensino Médio (Lei Nº 13.415/2017) fez com a Filosofia, senão reduzir o conteúdo filosófico sistematizado ao quase nada? À juventude proletária presente nas escolas públicas e à academia restou apenas a noção e a promessa de que é possível filosofar, porém os problemas da Filosofia ninguém os inventa. São congênitos à humanidade, conaturais à sua função epistêmica, diria Barretto. Pensar o hodierno formato da Filosofia, seus conteúdos, seu espaço e como reedificar a Filosofia constitui, assim, sua problemática central no Brasil pós-golpe (2016), pós-profascismo. É sob esta trama da vida real política, científica, acadêmica e educacional que a ASPEFIL elaborou o projeto do livro “Cafesofia: filosofando em terras paraibenses”. É mais que um livro: é um itinerário; é a vocalização coletiva de uma forma de resistência em defesa da filosofia que não pede, mas exige espaço para se efetivar, para transcender do em si ao para si de modo autêntico, transgressor do conformismo; uma filosofia inter e transdisciplinar, multicultural e complexa, espelhando a grandiosa e infinita capacidade do pensamento humano de filosofar; de ser livre para filosofar além dos espaços tradicionais, com maestria e rigor científico. O livro, ora citado, é a materialização da intercessão da educação como projeto cultural universal da humanidade, instrumento de transformação e liberdade da consciência – da Razão Ilustrada – afinal, o homem sem consciência não é sujeito crítico; é objeto de sua própria opressão, indivíduo barbarizado, encantado e sem contemplação. A Filosofia não é um partido político de esquerda, não é a classe social proletária, não é uma revolução, no entanto, pode fundar-se sobre uma ideologia progressiva, crítica e utopicamente diurna para pensar o presente com vistas a um futuro, no qual todos os homens se libertem de suas cavernas e vejam a luz do sol, sem privilegiar uns poucos em detrimento de muitos, bem ao contrário do que vai-se configurando o ensino de Filosofia: uma Filosofia para uma pequena elite do sistema privado de ensino. Se, em algum momento na história, a Filosofia assumiu uma posição conservadora e reacionária, não foi ela, foram Seres humanos desumanizados que assumiram uma ideologia conservadora, utilizando a Filosofia como escudo, pois, na história da Filosofia e pela sua essência questionadora, ela foi objeção em diversos momentos de atrocidades, produzidos contra uma parte da sociedade. A Filosofia que apascenta o livro “Cafesofia: filosofando em terras paraibenses” é a atualização e continuação da mesma filosofia que resistiu ao Fascismo, à Inquisição, à burguesia reacionária oitocentista, sendo expressa nos belos textos que o compõe, cujas vertentes metodológicas perseguem o pensamento crítico-dialético; destarte, o livro é o resultado do primeiro ano (2022) de atividades presenciais pós-pandemia covid-19, num total de oito apresentações, organizadas pela Associação de Professores e Estudiosos de Filosofia da Paraíba – ASPEFIL-PB: “Café Filosófico da ASPEFIL-PB”, do qual participaram professores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), professores das Redes estadual e municipal de ensino da Paraíba e de João Pessoa. O “Café Filosófico” oportunizou o diálogo entre diferentes temas e áreas do conhecimento, através de exposições contemporâneas e desafiadoras para a Filosofia, feitas por filósofos e filósofas, possibilitando novos caminhos e novas práticas reflexivas. O “Cafesofia: filosofando em terras paraibenses” constitui ensaios do pensar crítico. Os artigos são reflexões que transcendem a Filosofia tradicional e acadêmica, pois foram gestados em um espaço não formal – uma rica experiência de cátedra livre enquanto atividade necessária ao Ser humano; em vista disso, o primeiro ensaio intitulado “A FILOSOFIA AFRICANA EM SALA DE AULA”, da Professora Jodelice do Socorro Alves, objetiva “discorrer sobre outros modos de pensar, compartilhados por povos civilizatórios, em especial do Continente Africano, que nos ensinam a cosmo-percepção de filosofias que alçam voos de liberdade, respeito com a natureza, a vida e a ancestralidade da humanidade.” No segundo texto, “ESTADUALIZAÇÃO DAS ESCOLAS POTIGUARAPB E O ENSINO DE FILOSOFIA – ENTRANÇAMENTOS DE DESOBEDIÊNCIA EPISTÊMICA”, a filósofa Rosemary Marinho da Silva reflete que “tem como objetivo apontar a presença da Filosofia nas escolas de Ensino Médio em território Potiguara-PB enquanto expressão de desobediência epistêmica.” No terceiro ensaio, “ÁLVARO VIEIRA PINTO E A FILOSOFIA NO BRASIL”, o filósofo José Flávio Silva expõe, conforme suas palavras, “um momento da Filosofia no Brasil, destacando a “cons- trução política, econômica e visão filosófica autóctone inclusa na ideologia desenvolvimentista, proposta pelo presidente Juscelino Kubitschek ao reunir intelectuais em torno dessa ideologia.” No quarto texto, as professoras Maria das Graças de Almeida Baptista e Tânia Rodrigues Palhano, “EDUCAÇÃO EM DEWEY E GRAMSCI”, destacam a contribuição de Gramsci e Dewey como pensadores humanistas da educação, texto que “aborda a educação na concepção de pensadores contemporâneos e herdeiros do humanismo – Dewey e Gramsci – representantes da Pedagogia ativa do final do século XIX e início do século XX.” O quinto ensaio, “ÉTICA DA ALTERIDADE NO PROCESSO EDUCATIVO: PEDAGOGIA DA PRESENÇA EM TEMPO INTEGRAL”, da professora Rosicleide de Araújo Andrade, “visa estabelecer um paralelo analítico entre a ética Levinasiana e a educação, apresentando aproximações entre a teoria da Ética da Alteridade e a Pedagogia da Presença, praticada nas escolas Integrais. Considerando que tanto a Ética da Alteridade quanto a Pedagogia da Presença são temas que interagem, tendo as argumentações sobre a relação de acolhimento e da responsabilidade entre os sujeitos, sendo essas duas condições próximas ante o ensino.” No sexto texto, “A FORMA- ÇÃO DOCENTE EM FILOSOFIA NO PENSAMENTO DE BELL HOOKS”, a professora Sônia Maria Lira Ferreira expõe como a filósofa norte-americana pensa o sujeito “mediatizado pelo olhar transgressor, por não se ancorar na educação tradicional que o vê como um ser passivo/não reativo no decorrer da sua formação, ou seja, significa problematizar quem é essa/esse professora/ professor de Filosofia que se pretende formar.” Chama a atenção da urgência para uma Filosofia que pense o antirracismo, o antissexista e seja multiculturalista. No sétimo texto, “O PIONEIRISMO FEMINISTA NA FILOSOFIA MEDIEVAL EM CHRISTINE DE PIZAN”, o professor Daniel Eduardo da Silva realça a contribuição de Christine de Pizan ao “pensamento antimisógino que está inserido em “A Cidade das Damas” (1405), de Christine de Pizan; podemos identificar as primeiras questões de Gênero que surgem ao longo da narrativa, denunciando a misoginia na literatura e nas obras filosóficas.”. No oitavo e último ensaio, “SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA ÉTICA NA POÉTICA DE ARISTÓTELES”, dos professores Cristiano Bonneau e Ana Paula Buzetto Bonneau, especula-se que a “linha mestra dessa análise será o constructo ético desenvolvido por Aristóteles e a tradição que este inaugura, decorrendo em uma noção comunitária de felicidade e a indicação da formação cognitiva e cultural de um sujeito do tipo moderado”. Em consonância com os artigos acima referenciados, podemos indagar: qual o sentido da Filosofia? Seria para elucubrações da burguesia a fim de saciar sua fantasia de nobre tardio ou seria uma arma intelectual da classe proletária contra um conjunto de alienações e de uma situação alienante e alienada? Precisamente, foi esta ideia que instigou Lefebvre em “A soma e o resto” (1959) ao defender o conceito de alienação enquanto problema teórico e legitimamente filosófico para suscitar a reflexão sobre o pós-guerra, o uso da bomba atômica e da energia nuclear contra a mortandade em massa, as doenças e misérias que esses eventos produziram. Para o Filósofo, a Filosofia é dinâmica, é viva e própria quanto ao seu problema fundamental – ela mesma, pois ela se contextualiza no tempo real, “filosofia começante e re-começada”. Outrossim, a Filosofia (semelhante à Literatura, à Poesia e a outros gêneros) traduz o nível de expressão da vida de uma determinada época. É o espírito de um tempo histórico manifestado através da maneira de pensar, de ser, de compreender, de questionar de determinada sociedade, conferindo ao filósofo (através dos seus textos) um tipo de organizador psicossocial de uma época histórica; portanto, a importância da reflexão filosófica está em externar formas de consciência. Os artigos que compõem o livro proferem o conceito geral de cultura, todavia não são reflexões ingênuas; ao contrário, indicam os conflitos nas relações de classes e a crítica aos valores dominantes da minoria elitista, a exemplo do texto sobre a Filosofia de bell hooks, o qual revela uma crítica indireta à liberdade e à democracia americanas que já duram mais de dois séculos, dominada por apenas dois partidos (Republicano e Democrata) que se revezam no poder, configurando-se a ditadura dos republicanos e democratas, conseguindo (os mesmos) disciplinarem perfeitamente os espíritos das pessoas mais simples que acreditam piamente na liberdade e na democracia americanas, no sonho americano como modelos que devem ser seguidos por outros povos e nações. Em síntese, do primeiro ensaio (A FILOSOFIA AFRICANA EM SALA DE AULA) ao último (SOBRE A POSSIBILIDADE DE UMA ÉTICA NAPOÉTICA DE ARISTÓTELES), os autores impulsionam a necessidade própria de a Filosofia livrar-se do papel mesquinho que o Capitalismo lhe oferece para se elevar às transformações profundas exigidas pelo mundo contemporâneo, a fim de sair do abismo que conduz a humanidade para a sua própria destruição.




Baltazar Macaíba de Sousa

Gleidimar Alves de Oliveira

João Pessoa-PB, 26 de junho de 2024.

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