
Prof. Chico Gretter*
O ensino da Filosofia nas escolas brasileiras, particulares e públicas, sempre foi dificultado por setores conservadores e reacionários da sociedade e por governos que, além disso, defendem uma educação tecnicista e quase que somente voltada para o mercado de trabalho e o consumo capitalistas; para essa gente, a escola pública nada mais é do que o local de formação de mão de obra para o mercado de trabalho, principalmente mão de obra técnica e de nível médio. As demais profissões ditas “liberais” são incumbência das escolas de elite cuja função é propedêutica, ou seja, prepara para o ingresso nas universidades, sendo as públicas as melhores do país e que são gratuitas.
Nos governos Lula e Dilma, houve um esforço inegável de democratização do ensino superior com a criação do ENEM, das quotas de acesso ao ensino superior, os Institutos e Universidade Federais, todavia, a “escola dualista” ainda permanece endêmica e foi retomada nos governos Temer/Mendonça Filho através da reforma do tal “novo ensino médio” (Medida Provisória n° 746/2016) e reforçada pelas políticas negacionistas do (des) governo Bolsonaro.
Esse tipo de divisão na formação escolar (uma escola para os pobres e outra para os ricos) tem reforçado historicamente o fosso social entre uma maioria pobre e até miserável e uma minoria rica e privilegiada. Como a concepção de educação para ambos os setores é marcadamente tecnicista, e como a visão que se tem da Filosofia para a maioria é notadamente de um saber abstrato no mau sentido, um saber sem utilidade prática, que não forma mão de obra imediata, logo para que ensinar Filosofia?
No máximo os que defendem o ensino da disciplina Filosofia (que não é mais Disciplina do Currículo do ensino médio, no sentido estrito do termo, assim como as demais das áreas de Ciências Humanas – Geografia, História, Sociologia, Ciências Naturais – Física, Química, Biologia, e também Educação Artística; só Língua Portuguesa e Matemática, além de Inglês e Educação Física, são consideradas disciplinas no sentido estrito do termo, conforme a Lei do “novo ensino médio” – n° 13.415/2017, alterada pela Lei n° 14.945/2024) são aqueles que restringem a função da Filosofia ao adestramento lógico do “ensinar a pensar”, que é a tarefa da disciplina Lógica, tratada como serva da Matemática, o que consideramos um equívoco epistemológico e pedagógico.
Além da desvalorização tecnicista da Filosofia ou de seu tratamento meramente técnico como treinamento do raciocínio lógico, temos também os que consideram a nossa disciplina como “perigosa”, pois acreditam que a mesma é usada pelos “esquerdistas” para uma “doutrinação” dos jovens incautos e ingênuos (!?), o que é uma abordagem superficial e ideológica, pois confunde a criticidade da reflexão filosófica com “doutrinação de esquerda”, o que é uma total inversão de valores! Ora, todos sabemos que pensamento crítico desenvolvido pela reflexão filosófica serve justamente para desmascarar, aí sim, o pensamento dogmático e doutrinário de correntes ideológicas que usam do acervo filosófico para difundir um pensamento único, dogmático e valores do conservadorismo moral e político, quando não de um reacionarismo totalmente anti filosófico, antidemocrático e avesso ao pensamento crítico e criativo. Neste sentido, as artes também sofrem os mesmos preconceitos e desvalorização: pra que artes? Pra que Filosofia? Não é isto que ouvimos?
Esses preconceitos contra a Filosofia e as artes também são difundidos por inúmeras pseudo igrejas “pentecostais”, ou “evangélicas” (“teologia da prosperidade”, “teologia do Domínio”...) e pelo catolicismo tradicional conservador e reacionário, bem como pelo movimento “escola sem partido”, de origem norte-americana e que ganhou força nas duas últimas décadas no Brasil junto aos grupos da direita neoliberal e da extrema direita, mas que felizmente perdeu fôlego diante das derrotas sofridas no campo da legislação educacional e pela luta das entidades que defendem uma Filosofia crítica, criativa e a educação progressista.
A partir do resgate histórico que fizemos, voltamos à tese inicial da destruição do currículo formativo levado a cabo pelas reformas neoliberais-tecnicistas fomentadas pelos “empresários da educação”, que têm como alvo principal as disciplinas de Ciências Humanas, em particular, a Filosofia. O ataque mais incisivo à Filosofia não é gratuito, sendo que o mesmo acontece desde o início da democratização da escola pública no Brasil, por ex., com a criação das matérias OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e EMC (Educação Moral e Cívica) pela ditadura civil-militar nos anos setenta, já que a reforma trazida pela Lei n° 5.692/1971 praticamente condenou a Filosofia ao ostracismo.
Se lutamos tanto para reintroduzir a Filosofia e a Sociologia nas escolas do ensino médio (Lei n° 11.684/2008) é lamentável que em plena década de vinte do século XXI estejamos de novo enfrentando os mesmos ataques que sofremos nos tempos do regime militar. Só que agora os neoliberais e a educação empresarial têm uma “narrativa” mais sutil, maquiavélica, eivada de termos modernizantes, uma pseudo pedagogia que distorce conceitos e promete uma formação de fachada, aligeirada, sem qualidade. É assim que a SEDUC impõe suas plataformas digitais.
Defender o ensino da Filosofia e das demais ciências do currículo é defender uma educação de qualidade, laica, gratuita e que realmente forme cidadãos críticos, conscientes e preparados de fato para o mundo do trabalho, não apenas a formação técnica, mas a formação integral da pessoa, trabalhador e cidadão consciente e participativo. O desenvolvimento de nossa sociedade e do país, em todas as áreas, e também da Democracia, necessita das ciências, das artes e da filosofia como condição sine qua non de sua eficácia. Caso contrário estaremos condenando as novas gerações a uma pseudo educação sem qualidade, consequentemente, ao subemprego, à alienação e à barbárie.
Não podemos permitir a destruição do currículo formativo e por isso temos de resistir às imposições da atual SEDUC quanto às plataformas digitais, o desrespeito à liberdade de cátedra dos professores/as, à destruição de nossa carreira, em suma, à destruição da educação pública! E como professores de Filosofia, tomamos partido contra tudo isso e a favor do ensino da Filosofia com pelo menos duas aulas nas três séries do ensino médio.
Contra o exílio da Filosofia, reagir é preciso, lutar é necessário!
*Prof. Chico Gretter é graduado e licenciado em Filosofia pela PUC/RJ e UFRJ, com mestrado em Filosofia e História da Educação pela FEUSP, professor do ensino médio e superior por 35 anos, vice-presidente da APROFFESP.
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